domingo, 30 de setembro de 2012


Revista Linguagem em (Dis)curso, volume 11, número 3, set./dez. 2011.
CONTRADIÇÕES NA DIVULGAÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CULTURAL
Solange Leda Gallo*

ResumoAqui fazemos uma reflexão sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido há alguns anos no âmbito de um dos grupos de pesquisa inscrito na linha de pesquisa de “Texto e Discurso” do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Unisul. Esse trabalho se materializa em várias publicações científicas de todo grupo e em duas produções digitais de divulgação de conhecimento, a Revista “Ciência em Curso” (www.cienciaemcurso.unisul.br) e o Projeto “feito a mão” (www.feitoamao.unisul.br). Discutimos aqui as contradições que estão na base da produção de conhecimento e de suas formas de circulação de acordo com resultados de análises já desenvolvidas. Essas análises recortam a questão da mediação no jornalismo científico e na divulgação científica, a questão do conhecimento científico e do conhecimento cultural, a questão da ciência em relação à C&T; e a questão do discurso da contemporaneidade e da memória.
Palavras-chave: Análise de discurso. Divulgação de conhecimento científico e cultural. Contradição. Memória.

Acessível em:


http://linguagem.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/1103/10.htm



domingo, 9 de setembro de 2012

DISCURSIVIDADE ONLINE


Este texto foi enviado para publicação no livro resultante do V SEAD - Seminário em Análise de Discurso, ocorrido em Porto Alegre - RS, na UFRGS, em setembro de 2011. Está no prelo.



Discursividade online

Solange Leda Gallo – PPGCL/UNISUL
solange.gallo@unisul.br

            Resumo

            Tematizarei aqui o efeito de sentido que estou tratando como online, por oposição ao que se conhecia como “ao vivo”, outro efeito de sentido produzido pela mídia. Nesta perspectiva podemos compreender o online como uma das discursividades específicas da rede internet.

              Palavras-chave: Discursividade online; Efeito-autor; Internet.

            Introdução

             Em um trabalho anterior (Gallo, 2011), desenvolvi uma análise da qual depreendi dois tipos de condições de produção de textos da internet: condições constitutivas de acontecimentos enunciativos, e constitutivas de acontecimentos discursivos. As primeiras, por estarem sustentadas por memórias institucionais (escolas, igrejas, empresas, bancos, etc) permitem que os enunciados sejam apenas temporalizados de forma específica, na rede internet, mantendo seu caminho de interpretação garantido pela mesma memória[1].
Já as do segundo tipo, correspondem a condições que eu designei como sendo “mais próprios da internet”, que estão na base de sites como orkut, facebook, youtube, google, twitter, skype, entre outros, considerando que nesse caso a discursividade nasce nessas condições que são da rede internet, e podem constituir  acontecimento discursivo, na medida em que mobilizam memórias discursivas outras, não institucionais.
           

             O “ao vivo” e  o  online

             Hoje, proponho um maior aprofundamento nessa questão.
Começarei por discutir a condição comum a todos esses materiais da internet, que é a condição de parecerem/serem/estarem online. Mobilizarei, ainda, para esse estudo, uma análise que desenvolvi no meu doutorado, análise de emissões radiofônicas produzidas “ao vivo”, em uma Rádio aberta, por alunos de uma escola de Paris. Para tanto, na época, formulei as noções de “espaços cambiáveis”, além das noções de “autenticação” e “legitimação” (Gallo, 2008).  Inicialmente, considerei “autenticação” o “processo no qual o sujeito se encontra sempre imerso, e que dá conta do movimento e da fixação desse sujeito no espaço de cadeias significantes que não se alinham necessariamente em FDs”. Esse processo explica a dispersão do sujeito e é da ordem do inconsciente. Há  uma “ambiguidade constitutiva” no nível da “autenticação”. Aliado a esse processo, mas funcionando de forma contraditória a ele, há “o processo de legitimação, que dá conta do movimento e fixação do sujeito em determinada FD”, e não somente em uma cadeia significante.
       Assim, ao tomar uma posição na textualidade de algo transmitido “ao vivo”, o sujeito se posiciona, atualizando, nessa tomada de posição, arquivos que podem ter sido formulados em outras condições de produção. Esse movimento foi apontado como sendo análogo ao da tomada de posição no discurso, de maneira geral, na medida em que, nesse gesto, que é sempre um gesto de interpretação, o sujeito se posiciona em uma determinada região do interdiscurso, identificando-se com esses sentidos, tanto no nível do construído como do  pré-construído, apagando sua ambiguidade latente.

       A  posição-sujeito absorve as determinações específicas e produz um efeito de sentido determinado, um efeito de homogeneidade, silenciando/esquecendo as ambiguidades. O sujeito produz esse apagamento através do processo de legitimação, que está na base da textualização, e que mascara o processo de autenticação, justamente apagando (para o sujeito) suas ambiguidades constitutivas (sem jamais consegui-lo totalmente). Assim, há “esquecimento”, relacionado ao processo de autenticação e, ao mesmo tempo, relacionando-se ao processo de legitimação, há memória, no nível do sócio-histórico, que posiciona o sujeito no discurso. (Gallo 2008, pg.68)

As noções de autenticação e legitimação foram formuladas, então, para explicar uma produção “ao vivo”, na qual há “espaços cambiáveis”, aqueles “furos” na textualidade por onde vaza uma marca de enunciação. Por exemplo, a oralização do horário exato em que se está apresentando um noticiário; lugares onde o sujeito marca sua presença, absorvendo, nesse gesto, os sentidos ali presentes, responsabilizando-se por eles, dando a eles unidade, ou seja,  o efeito de fim e de autoria, efeito esse relacionado, nesse caso, ao discurso midiático (radiofônico).
Poderíamos, ainda, dizer que há aí formas de heterogeneidade mostrada e marcada que, conforme formulada por Authier:
           
           Essas formas representam uma negociação com as forças centrífugas, de desagregação, da heterogeneidade constitutiva: elas constroem no desconhecimento desta, uma representação da enunciação que, por ser ilusória, é uma proteção necessária para que um discurso possa ser mantido. (Authier 1990, pg. 33).


             Status presente, perfil,  efeito-sujeito

             Passarei, agora, a refletir sobre o online por comparação ao “ao vivo”, e esse online tomado aqui como efeito de sentido entre interlocutores presentes no espaço da internet, efeito esse que se espalha nesse espaço completamente dilacerado pelo excesso, como veremos.
Começarei por observar que embora o sujeito que está/é online coincida  sempre com uma posição, ele só é efetivamente tomado enquanto um sujeito, quando se relaciona com outra posição-sujeito.
O que é curioso, no entanto, é que nessa discursividade online, mesmo quando o sujeito não está se relacionando com um seu interlocutor, seu status pode estar/ser presente. Por esse motivo, direi que trata-se, nesse caso (no caso específico do status), de um efeito-sujeito, e não de uma posição-sujeito.
Em outras palavras, trata-se de um processo análogo àquele descrito acima, referente a enunciados produzidos “ao vivo”. Ou seja, aqui também os sujeitos só se constituem nos “espaço cambiáveis”, porque somente aí há interlocução. No entanto, o efeito do que é online se espalha por todo o texto, fazendo parecer que tudo o que está sendo apresentado, está sendo produzido online,  quando na realidade trata-se de arquivos produzidos em outras condições de produção, e ali atualizados pela via desses “espaços cambiáveis”, que funcionam como fissuras por onde o efeito de atualidade penetra, principalmente se o status do sujeito for “presente”.
Por exemplo, quando você entra no facebook, alguns dos seus “amigos” podem estar efetivamente online, ou seja, conectados ao mesmo tempo que você, o que permite que se tenha uma interlocução instantaneamente, assim como alguns posts vão aparecendo enquanto se está online, o que também produz o mesmo efeito de atualidade. Porém, a maioria dos “amigos” que postaram textos, não estão online ao mesmo tempo, e suas postagens foram feitas em outros contextos de enunciação. Mas na presença do seu perfil, o efeito é de que tudo o que está ali disposto está online, mesmo quando se trata de arquivos “fechados” e determinados por outras condições de produção. Isso também acontece nas produções “ao vivo”.

                  Efeito de “rede”: formas polêmicas e lúdicas

             No entanto, uma primeira diferença em relação ao  “ao vivo”, é que no online os “espaços cambiáveis” são muitos, são inumeráveis, e cada um constitui um nó de uma grande teia (web) em uma configuração rizomática.
Nesse sentido, a própria ideia de rede é efeito de sentido dessa discursividade que estou denominando online, na medida em que ela funciona apontando inúmeros caminhos, múltiplas possibilidades, que se apresentam simultaneamente e que, embora não sejam realizáveis simultaneamente pelo sujeito, que tem o limite de só poder estar em um lugar discursivo a cada enunciação, o sentido produzido por esse sujeito é um entre inúmeras possibilidades latentes (virtuais). Enquanto no caso do “ao vivo”, o sentido fica contido em um movimento de ida e volta, no qual prevalece um interlocutor (quase) exclusivo, como é próprio das formas discursivas autoritárias. Ao contrário, nas produções online, a reversibilidade entre os interlocutores é determinante.  Dessa diferença decorrem várias outras.
Vejamos, segundo Orlandi (1983), a reversibilidade é uma característica de formas discursivas polêmicas, o que constitui uma diferença em relação às formas autoritárias, nas quais não há reversibilidade entre os interlocutores, e o que se vê é um interlocutor exclusivo. Da mesma forma, a reversibilidade entre interlocutores se dá diferentemente nas formas lúdicas, por serem aí extremas e sem controle.
Assim, tomaremos a noção de reversibilidade controlada para compreendermos as formas discursivas polêmicas, identificando essas formas às formas enunciativas produzidas online. Ou seja, nesses casos, há uma reversibilidade entre os interlocutores, diferente de um interlocutor exclusivo, como é o caso das produções radiofônicas “ao vivo”.


                Algumas Consequências

                A pergunta, então, que se coloca, diz respeito às consequências dessa reversibilidade.
A primeira delas tem relação com a questão da autoria, ou seja, em uma produção de conhecimento, compartilhada entre interlocutores, a função-autor é também compartilhada, e em lugar de locutor e leitor, temos aí interlocutores autores.
No entanto, somente estão disponíveis, a qualquer momento (online), enunciados  acumulados pela memória metálica, não os sujeitos (não todos os “amigos”, no caso do facebook).
Isso permite formular que no online, a relação do sujeito que navega, inscrito em uma memória discursiva, tanto pode se dar  na forma de uma interação, com um efeito-sujeito produzido pela memória metálica; quanto pode se dar na forma de uma interlocução, com um sujeito em uma posição discursiva, resultante de uma interpelação.
Estamos considerando, aqui, interação e interlocução como movimentos  diferentes [2].  Segundo Pêcheux “as coisas-a-saber ...são sempre tomadas em redes de memória, dando lugar a filiações identificadoras e não a aprendizagens por interação: a transferência não é uma interação, e as filiações históricas nas quais se inscrevem os indivíduos não são máquinas de aprender.” (Pêcheux, 1990, p.54)
Dessa primeira consequência, decorre imediatamente outra, a saber, ao se posicionar em uma relação sem um sujeito interlocutor (um efeito-sujeito), a reversibilidade tem uma nova configuração, mais própria de formas lúdicas. Por exemplo, ao digitar um enunciado para busca, no google, virá uma resposta do interlocutor-efeito-sujeito, dispondo inúmeros enunciados que podem encaixar-se (ou não) à demanda do sujeito que busca, que por sua vez dará uma resposta  a esse sujeito que é, em última instância, o programador do site. Mas essa relação de interlocução é vaga, difusa e im-precisa. Por outro lado, as possibilidades de reversibilidade são quase infinitas em razão da dimensão dos bancos de dados informatizados, o que caracteriza formas lúdicas. Podemos dizer que nesse caso a identificação dos sujeitos se dá, inclusive, com a discursividade dos jogos (games).
Temos, no online, portanto, a injunção a essa “memória metálica”, na qual, segundo Orlandi, que propõe o conceito, “uma formulação se transforma em várias outras sem que se toque no domínio da constituição, onde um sentido poderia vir a ser outro na sua historicidade. Produz-se assim uma memória achatada, horizontal”. (Orlandi 2001, p.182).
Ou seja, essa relação interativa relacionada a essa memória se caracteriza pelo excesso, na medida em que os dizeres são inumeráveis e sempre presentes; e pela seriação, uma vez que eles não se acumulam em profundidade, mas na superfície. Também aínão há limites (aparentes) para “o que pode ou deve ser dito” (Pêcheux, 1988), ao contrário, nesses espaços parece que pode (ou deve) constar  TUDO de uma determinada série. Esse é o efeito que caracteriza essa discursividade, um dos efeitos resultantes da articulação  da memória metálica à memória discursiva, nesse caso, em formas lúdicas.
Portanto, podemos pensar que os limites do sentido do online são dados, em boa medida, pela textualidade, ou seja, pelos procedimentos (modo de acesso), pela forma textual (audiovisual, grafado, oralizado, etc), pelo espaço físico (megas, gigas, etc.); enquanto a discursividade necessária à interpretação está sempre fora daí, articulada nas interlocuções (nós da rede).
Essa superfície digital e interativa, trabalha articulando uma presença intercambiável (não importa quem é o sujeito que imputa os dados, ou o sujeito que navega), com uma memória que só pode ser recortada por duas variáveis; ou reconhecendo a demanda, e respondendo com uma paráfrase, ou desconhecendo-a e respondendo com “nenhum resultado”. Não há aí nem contradição, nem esquecimento[3].
Da mesma forma funciona o discurso tecnológico materializado nesses sites que respondem, a partir de cálculos algorítmicos, alguma coisa que produz o efeito de ser dirigido ao sujeito que busca, seja ele quem for.
A interlocução que está na base desta rede parece ser  aquela que se dá entre o sujeito que navega e aquele que produz as “clivagens subterrâneas.”[4] (Pêcheux, 1994).
Essas clivagens, resultantes do gesto de interpretação do(s) sujeito(s) que programa o software, já determina um rol de possibilidades e de impossibilidades para o sujeito leitor/navegador.
A essa interlocução se sobrepõem todas as outras, entre sujeitos que dialogam online. Essas interlocuções são determinadas pelas posições desses sujeitos nas inúmeras textualidades que funcionam na rede.

O efeito de sentido para o sujeito que navega, é de um dizer sem fim, apenas interrupção, de multiplicidade em vez de unidade e, ao mesmo tempo, de um poder dizer, em um lugar discursivo que tem o efeito de legitimidade, de inscrição, para logo em seguida desfazer-se em múltiplas trilhas e potenciais trajetórias jamais completamente trilhadas.

              Em relação ao acontecimento discursivo

              Assim, se o acontecimento discursivo é a articulação de uma atualidade e de uma memória (Pêcheux, 1990), diremos que a discursividade online se constitui em acontecimento discursivo em relação ao “ao vivo”, na medida em que sua atualidade, a interlocução, encontra a memória por meio de formas polêmicas e lúdicas, e não por meio de formas autoritárias, como é o caso do “ao vivo”. Além disso, as interlocuções na internet são muitas e a todo momento e quase simultaneamente, enquanto no “ao vivo” são poucos os momentos em que a interlocução realmente flui fora do controle do discurso da mídia. Finalmente, se no “ao vivo” se produz o efeito de autoria, unidade, fechamento e legitimidade nos chamados “espaços cambiáveis”, no online, ao contrário, esse efeito é tão instantâneo e recorrente que muitas vezes não chega sequer a caracterizar-se como tal, principalmente nas redes sociais[5].  

          
             Considerações Finais

              De acordo com o que vimos, podemos dizer agora que a discursividade online parece ter uma contradição de base. Por um lado ela produz uma posição-sujeito-autor, que é ao mesmo tempo lugar de inscrição compartilhado e múltiplo, e processo de legitimação instantâneo, duas condições que conjugadas, são novas, possibilitadas pela internet.
A contradição, no entanto, se encontra no fato de que a relação do sujeito que navega pode ser, ao mesmo tempo, de interação com o efeito-sujeito produzido pela memória metálica, e nesse caso, o que se produz como sentido é um reflexo de um mesmo dizer, produzido mecanicamente, no qual não há autor construído.
Não temos ainda a dimensão das consequências desse funcionamento. Somente podemos dizer que para o sujeito que navega, esses funcionamentos contraditórios parecem indiscerníveis, e um efeito-sujeito pode ser confundido como um interlocutor em uma posição-sujeito, e vice-versa.
Podemos pensar que, nesse sentido, o homem e a máquina, na instância do simbólico, já não tem uma nítida separação. Na discursividade online já estamos diante de uma condição híbrida de constituição do sujeito.
O sujeito, aqui, apesar de estar em rede, está individualizado nessa forma material. É preciso “logar-se” individualmente, para estar online e, imediatamente, “entrar no jogo”, ou seja, responder por um perfil, por um status.
Nessas condições, ao mesmo tempo que se trata de um sujeito-autor, nunca antes tão abrangente e tão coletivo, se trata também de um reflexo de si, produzido mecanicamente.
Do ponto de vista político, a posição-sujeito na qual nos inscrevemos na discursividade online, por um lado pode concentrar um grande poder agregador; enquanto por outro, pode ser (a)traída/tomada por uma individualidade (enquanto sentidos autorreferentes) sem precedentes, que  desloca os sujeitos (desse poder)  permanentemente.

_________________________

Bibliografia

         AUTHIER, J. (1990). “Heterogeneidade(s) Enunciativa(s)” Cadernos de Estudos  
                   Linguísticos, nº 19. Campinas: Unicamp.
GALLO, Solange (2008). Como o texto se produz: uma perspectiva discursiva. Blumenau: Nova Letra.
_______ (2011). "A Internet como Acontecimento", in: Indursky, F.; Mittmann, S; Ferreira, M.C.L. (org.), Memória e história da/na análise do Discurso. Campinas: Mercado de Letras.
_______ (2011). “Da Escrita à Escritoralidade: um percurso em direção ao autor online”. In. Rodrigues, E.; Santos, G. L.; Castello Branco, Luiza K. (org.). Análise de Discurso no Brasil. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas. Ed. RG.
GRIGOLETTO, Evandra (2011). "O Discurso nos ambientes Virtuais de aprendizagem: entre a interação e a interlocução", in: GRIGOLETTO, E.; DE NARDI, F.S; SCHONS, C. R. (org.), Discursos em rede: práticas de (re)produção, movimentos de resistência e constituição da subjetividade no ciberespaço. RECIFE: Ed. Universitária- UFPE.
GUIMARÃES, Eduardo (2002). Semântica do Acontecimento. Campinas: Ed. Pontes.
ORLANDI, Eni (1983). A Linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso. São Paulo: Ed. Brasiliense.
_________ (2005). Discurso e Texto. Campinas: Pontes.
PÊCHEUX, Michel (1990). Estrutura ou Acontecimento. Campinas: Pontes.
__________( 1999). "Papel da Memória”. In. Papel da Memória. Campinas: Ed. Pontes.
__________(1994). “Ler o arquivo hoje”. In. Gestos de Leitura. Campinas: Unicamp.




[1] A noção de acontecimento enunciativo enquanto “o que instala sua própria temporalidade” é de Guimarães (2002).

[2] Refletindo sobre os ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), Grigoletto também aponta para uma divergência entre interação e interlocução, entendendo “a interação, como o movimento do homem com a máquina, e  a interlocução como o movimento dos/entre os sujeitos.” (Grigoletto, 2011).

[3] O sujeito-programador, inscrito no discurso da tecnologia, assim como o sujeito-publicitário, produz o seu dizer para um você, que é um e todos, e ao mesmo tempo, ninguém, como afirma Orlandi, ao analisar o enunciado publicitário “Brasil, um país de todos”:
Esse “todos” é ambíguo, somos todos nós brasileiros, que estamos aí evocados, ou todos em aberto? O equívoco está em que pensamos sermos nós, povo brasileiro, em nossa igualdade social (impossível) e na verdade somos apenas um todo indeterminado, parte do discurso da globalização (Orlandi 2012, pg.126-127)

[4] No artigo intitulado “Ler o arquivo hoje”, Pêcheux fala de clivagens subterrâneas como sendo “o sistema dos  gestos de leitura subjacentes na construção do arquivo, no acesso aos documentos e na maneira de apreendê-los, nas práticas silenciosas da leitura “espontânea”...” (Pêcheux, 1994, pg. 56-57).
[5] Nem todos os espaços da internet tem essa mesma característica de diluição quase total do efeito-autor. Por exemplo, nos blogs, ou mesmo nos fóruns, o efeito-autor é bem mais forte por não serem as interlocuções tão instantâneas e síncronas. Por outro lado, há na internet espaços em que formas autoritárias estão presentes e impedem, igualmente, o efeito-autor por razões opostas, ou seja, não pelo excesso, mas pela censura, como é o caso de alguns espaços da EAD, ou de sites institucionais.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

DISCURSO E NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO


O Texto abaixo foi enviado para ser publicado no livro resultante da 2a. JIED (Jornada Internacional de Estudos do Discurso), ocorrido em 2012, na cidade de Maringá-PR.  Está no prelo (inédito).


No capítulo intitulado Discurso e Novas Tecnologias de Informação, Solange L. Gallo discute, de uma perspectiva discursiva, os conceitos de tecnologia e de informação, mostrando, por um lado, que “o discurso toma a tecnologia como uma materialidade na confluência com todas as outras” e, por outro lado, que a informação é um fragmento de outro discurso, por isso mesmo se torna “informação”, pelo seu modo de funcionamento no discurso “outro”, que o veicula. Em relação às novas tecnologias, a autora as relaciona à capacidade de multiplicidade e de contemplar, em uma mesma materialidade discursiva, aspectos do discurso da oralidade e do discurso da escrita, na forma de uma  escritoralidade (nos termos da autora). Finalmente Gallo  chama a atenção para o apagamento do político no modo de funcionamento dessa discursividade da rede internet, mostrando que ao tratar como simples “conectividade” o fator de interlocução entre sujeitos, e enfatizando seu aspecto informacional, minimiza-se a potencialidade dessa nova condição dos sujeitos,  que podem, nesse lugar discursivo, produzir um novo  conhecimento coletivo.

DISCURSO E NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO

Solange Leda Gallo – UNISUL
Solange.gallo@unisul.br
                                      

Algumas considerações sobre TECNOLOGIA

Inicialmente refletirei sobre essa questão que me foi proposta, uma relação entre discurso e novas tecnologias de informação, comentando uma ambiguidade do sentido de tecnologia, a partir dessa perspectiva teórica na qual me situo, que é a análise de discurso.
Ou seja, dessa perspectiva, a interpretação de todo enunciado é fruto de uma territorialização, do (re)conhecimento de sua materialidade que tem dimensão histórica, social e ideológica, em qualquer que seja o espaço discursivo, a mídia ou a tecnologia. 
Por outro lado, a partir de trabalhos que seguiram a perspectiva dada por Pierre Levy (2000, pg.50) que  afirmava no seu livro Cibercultura, de 2000, ser o ciberespaço o vetor de um universo aberto por suas características de ser virtualizante e desterritorializante, foi possível se considerar a linguagem virtual como sendo desterritorializada. 
A respeito disso eu colocava, já em 2008, as seguintes questões, em um trabalho apresentado na XIX Enanpoll: 

Será possível uma linguagem na qual o sujeito, ao constituir-se, não sofre o retorno dos efeitos ideológicos produzidos pela dimensão  histórica e social de sua constituição? Estaremos diante de uma nova concepção do simbólico, sem ancoragem no real? Estamos de volta à velha utopia da liberdade total do sujeito? (Gallo, GT de AD, 2008)

Para responder a essas questões, da perspectiva discursiva, foi preciso analisar e compreender o gesto de interpretação dos sujeitos inscritos na discursividade da linguagem digital em rede, pois é esse gesto de interpretação que produz o efeito de sentido de “desterritorialização que apaga, para o sujeito, o fato de que a linguagem só tem sentido porque tem materialidade, e a tecnologia não altera a condição material da linguagem.
Por outro lado, a própria tecnologia confere uma certa materialidade ao dizer. Nenhum dizer fica imune à tecnologia que o materializa, no sentido de ser afetado em seus possíveis efeitos de sentido por essa materialidade própria da tecnologia em questão. 
O discurso toma a tecnologia, então, como uma materialidade na confluência com todas as outras. 

Sobre INFORMAÇÃO

Em segundo lugar,  torna-se necessário refletir também sobre o termo “informação” da expressão: “novas tecnologias de informação”.
Essa reflexão é importante porque permite relacionar a tal coletividade constituída em uma rede, com o sentido que a sustenta, que parece estar circunscrito pelo termo “informação”. Em primeira análise, somos levados a pensar que uma rede se conecta pela informação, tanto no sentido de ser “por meio de um instrumento informatizado”, quanto no sentido de ser “para se acercar de informação”.
Os dois sentidos produzem, cada um a seu modo, algumas questões cruciais para esta reflexão.  Vejamos:
Primeiramente vamos considerar que a informática se constitui no desenvolvimento da linguagem algorítmica, de modo a aproximá-la a uma linguagem “natural”. Isso se dá por meio de índices, ícones, símbolos imagéticos, e da própria língua verbal, nos espaços de interface. Assim, por mais “natural” que nos pareça essa linguagem, é preciso considerar que ela foi desde sempre trabalhada discursivamente para produzir esse sentido. Em outras palavras, é preciso dizer que a linguagem digital produzida pela ciência da informação, só é reconhecível e interpretável na exata medida do seu uso por sujeitos. Assim como se fala em letramento como condição necessária para que se apreenda a escrita, também a linguagem digital necessita, da parte do sujeito que dela se aproxima, de um certo letramento. Em termos discursivos, diremos que o sujeito precisa mobilizar determinados saberes (uma memória específica) para interpretar um enunciado digital. E nesse caso, quanto maior for o contato com essa linguagem, mais “natural” serão seus efeitos de sentido para o sujeito. Em síntese, não se trata de um sentido imanente, como também é o caso da língua de modo geral, mas de uma construção social, histórica e ideologicamente determinada. 
A partir dessas considerações, diremos que os operadores da linguagem digital produzem, nos termos de Michel Pêcheux,  (1994, pg 55)  “clivagens subterrâneas”. Ou seja, há um gesto de interpretação da realidade materializada pela linguagem digital. Essa interpretação  traz certos sentidos e exclui muitos outros que seriam igualmente plausíveis nos mesmos espaços. No entanto, essas “clivagens” ficam invisíveis para os interlocutores do ciberespaço. O que aparece para o sujeito que navega é um sentido “sempre-já” , “natural” e óbvio. 
Assim, torna-se possível dizer que no google tem “tudo”, ou que os amigos estão todos no facebook, ou que qualquer tema poderá ser “conhecido” no wikipedia, ou que o youtube é um lugar de visibilidade universal, etc
Na verdade, esses espaços espelham a própria relação que seus interlocutores tem com eles,  o que significa que o que eles oferecem, em grande medida, não é outra coisa senão o resultado desse espelhamento.  
As “clivagens”, por sua vez, são gestos de interpretação realizados por parte dos “tecnólogos da informação”, que possibilitam um certo tipo de relações, mas essas possibilidades são, a princípio, redutoras. O que faz com que elas se expandam, é trazido pelos seus interlocutores. É o conjunto de aportes sempre em crescimento exponencial, que produz o efeito de sentido de totalidade. Ou seja, a eficácia do ciberespaço resulta da coletividade que está aí inscrita. 
O segundo ponto que quero comentar, diz respeito à “informação” enquanto um certo tipo de conteúdo circulante nas “novas tecnologias de linguagem”, outro sentido possível para a expressão “novas tecnologias de informação”. 
Tenho pensado a informação como um dizer que se produz em uma determinada discursividade, e que dela é retirado para ser transportado para outra discursividade, perdendo, nesse movimento, sentidos pré-construídos. Uma vez inserido na nova discursividade, outros sentidos pré-construídos serão mobilizados para a interpretação do enunciado transposto, que aí é interpretado, por essa razão,  como “informação”. Assim, por exemplo, um enunciado que é produzido no discurso científico, ao ser inserido no discurso jornalístico, produz aí o sentido de “informação científica”.  O que permite pensar que os sujeitos que compartilham saberes de uma mesma formação discursiva, produzem o conhecimento que é coletivo e válido para todo sujeito que aí se inscreve. 
Por outro lado, quando o sujeito não compartilha esses saberes, a interpretação de certos enunciados sofre um deslocamento, transformando-se em outro, como é o caso do enunciado científico que transforma-se em “informação científica” (notícia) para o sujeito inscrito no discurso jornalístico.
Retomando, então, a expressão “novas tecnologias de informação” depois dessa breve reflexão, é possível pensar que há enunciados que são transpostos para o ciberespaço, vindos de diferentes discursividades, e que aí perdem os sentidos relacionados à memória discursiva que os tornavam interpretáveis, e ganham aí, nesse novo espaço (o ciberespaço) a dimensão de “informação”, resultante de um novo gesto de interpretação. 
O que temos, portanto, compondo o imenso arquivo digital na rede internet, é um conjunto quase infinito de informações. Essas informações se conectam entre si produzindo um tecido, cujo amálgama é uma memória metálica, que segundo Orlandi (2005, pg.182) funciona apagando a memória histórica e substituindo a relação vertical e metafórica do sentido, por uma combinatória infindável de sinais à qual o sujeito se liga metonimicamente. 
Com isso, para que uma informação possa ser compreendida e assumida por um sujeito enquanto conhecimento próprio, é preciso que esse sujeito rompa essa rede metonímica e mobilize uma memória discursiva, no processo de interpretação. Segundo Pêcheux (1994, pg.58), “a memória da máquina é constituída exclusivamente de lembranças”, não havendo aí esquecimento, nem tampouco interpelação do indivíduos em sujeitos. Para que o sujeito e o sentido se constituam, é preciso  materialidade e esquecimento. Essa materialidade corporifica os sentidos, os territorializa, lhes dá o lastro necessário para que se processe a identificação ou a (des)identificação dos sujeitos com os saberes de uma memória discursiva que funciona pela relação lembrança-esquecimento, saberes necessários no processo de interpretação. 
Ousarei dizer que a materialidade dos sentidos constitui os “nós” que sustentam a rede.   
A materialidade se coloca de infinitas formas na interlocução, ultrapassa o imaginário porque é igualmente histórica e social. Tem relação com as reais condições de existência dos sujeitos que ora são lembradas, ora são esquecidas. Se ela não é posta no jogo da interpretação, a informação não encontra caminhos para se tornar conhecimento do sujeito interlocutor. 
Por isso estou propondo a analogia entre os “nós” e as interlocuções da rede internet, e entre os seus fios e as ditas “informações”. 


Finalmente sobre NOVAS tecnologias

Quando se fala em “novas” tecnologias, a primeira coisa que se pode pensar é que o termo “novas” se opõe à um possível “velhas”, “velhas tecnologias”, ou “tecnologias tradicionais” de informação. Costuma-se dizer que essas “novas” tecnologias são as que propiciam “maior interatividade”, ou seja, são tecnologias que constroem espaços de inscrição para os interlocutores, de modo que os dizeres aí produzidos podem ter uma resposta imediata (ou quase imediata) de um ou mais interlocutor. Essa condição permitiria diferenciar essa tecnologia daquela em que o dizer tem uma via exclusiva, unidirecional, sem espaço para uma inscrição de um interlocutor.
Em termos discursivos, então, as “novas” tecnologias materializam de uma forma específica a língua, pois pressupõem interlocução, diferente das “tradicionais” tecnologias de informação. 
Ao se dizer isso é preciso esclarecer, imediatamente, dois pontos; o primeiro, é o de que a interlocução, nesse caso, é condição de possibilidade, mas não significa condição de efetividade, sempre. O segundo ponto, é o de que há tecnologias não tão “novas” que pressupõem igualmente interlocução, como é o caso do telefone, hoje revestido de “novas” funcionalidades, mas que tem essencialmente a função de conectar sujeitos distantes fisicamente. Portanto, não defenderei aqui que é a condição de “interatividade” que caracteriza o que se chama de “novas tecnologias da informação”. 
Por outro lado, se uma conversa telefônica encerra-se em si mesma, o que se tem, ao contrário,  como condição de possibilidade nessas “novas” tecnologias é a multiplicidade, ou seja, a constituição de muitos e simultâneos diálogos em rede. Ou seja, o ciberespaço comporta muitos indivíduos em conexão, simultaneamente, ou quase simultaneamente, sem que pra isso seja necessária a presença física (além disso, esses indivíduos podem valer-se de um vasto arquivo digital). Estamos falando de coletividades em contato nas chamadas redes, o que requer uma forma específica de sujeito. Esse funcionamento do ciberespaço me parece ser, de fato, algo novo nas chamadas “novas tecnologias”, a saber, um modo novo de inscrição dos sujeitos.
Explico: novas posições porque, se por um lado são posições semelhantes àquelas assumidas por sujeitos do discurso da Oralidade, em interlocuções instantâneas, provisórias, com múltiplos interlocutores, sem fecho, sem efeito de autoria; por outro lado, na rede, esses interlocutores não estão fisicamente presentes e, além disso  relacionam-se com textualidades constituídas com uma certa unidade e legitimidade, o que é uma característica do discurso da Escrita e constitui uma possibilidade nova para o sujeito, no que se refere à autoria presente nessa prática. 
Por essa razão, tenho chamado esse tipo de discursividade de ESCRITORALIDADE 

...um discurso sem as margens estabilizadas, um discurso ele próprio desestabilizador, na medida em que produz efeito de autoria sobre sujeitos não alinhados às conhecidas instâncias de poder, que são próprias dos processos discursivos identificados ao Discurso de Escrita. (GALLO, 2011, pg. 418)

No caso de uma textualidade como vemos na wikipedia, o efeito de unidade, de legitimidade e de autoria constitui-se em bom exemplo. Podemos pensar que a wikipedia é um espaço especializado em disponibilizar “informação”, no entanto, essa informação assume formas específicas e contornos de legitimidade, na medida em que está determinada pelo DE e a memória, aí mobilizada, das enciclopédias físicas. Também elas eram de autoria coletiva, assim como a wikipedia, e apresentadas com unidade de sentido, enquanto um efeito da autoria desse discurso. Portanto, a relação de interlocução que a wikipedia propõe aproxima-se do DE, ou seja, a relação não presencial de um leitor com um autor, assim como aquela que se dá na leitura de um livro. No entanto, a fluidez da tecnologia digital faz com que essa produção, diferente do livro impresso, seja muito rápida, quase instantânea, em relação aos acontecimentos sociais que são ali “informados”. Mas ainda assim, apesar da condição instantânea dessa textualidade, tão própria do ciberespaço, o que difere o autor da wikipedia ainda é sua materialidade relacionada ao Discurso de Escrita e ao Discurso da Oralidade, simultaneamente.



Da MATERIALIDADE DISCURSIVA

Mas o fato que me intriga, e que trago hoje para esta discussão, tem relação, não com a existência da materialidade dessa ESCRITORALIDADE, da qual falamos até aqui, mas com o efeito de seu apagamento na rede. 
Ou seja, na rede, a dimensão material dos sujeitos e dos sentidos fica invisível, por isso temos a ilusão, ao navegar na rede, de estarmos nos puxando pelos próprios cabelos, como a imagem do Barão de Munchhausen, conforme trazida por Pêcheux (1988, pg.151) ao se referir ao funcionamento da ideologia de maneira geral. Diremos que no caso da rede informatizada, esse efeito se radicaliza, o efeito de des-territorialização, de des-materialização.
A metáfora do “nó” da rede é interessante para pensarmos na emergência da dimensão material dos sujeitos na rede. Ou seja, estou considerando que cada vez que o sujeito material irrompe na rede, faz-se um “nó”, para deslizar imediatamente em fios que vão em variadas direções, como rizoma.
Em um espaço como o google, por ex.,  não há “nós”, pois o interlocutor do sujeito que “busca” não tem materialidade, é resultante de cálculos algorítmicos, por isso trata-se aí de um tecido friável, tão distendido e com uma imensa capacidade de expansão. Por outro lado, sempre que os interlocutores da rede compartilham memórias discursivas, ou seja compartilham lembranças e esquecimentos, faz-se um “nó”, que é o que sustenta a rede. E nesse caso do google, embora não haja interlocução, o sujeito que busca, ao inscrever-se por meio de certos enunciados registrados no buscador, deixa marcas de sua territorialidade. 
A contradição aí presente é a de que apesar da dimensão material do sujeito-internauta ser a própria condição de possibilidade da rede (na medida em é “nó”, fator de amarração), a rede ganha sua pertinência social na medida em que apaga essa materialidade, tratando-a como “conexão”. 
Em outras palavras, apesar dos sujeitos que estão “conectados” na rede só produzirem sentido na medida em que mobilizam uma memória discursiva, isso fica invisível para os sujeitos, que têm a ilusão de estarem constituindo sentido no interior da rede, ou seja, a partir da memória metálica, deslizando nos infindáveis fios de informação lá disponíveis. Isso produz uma certa cegueira em relação às condições materiais que estão na sustentação desses movimentos - condições invisíveis, mas inexoráveis.
Essa cegueira, no entanto, não atinge o mercado, que está de olhos bem abertos. Um bom exemplo disso é o escandaloso valor de mercado da plataforma google, justamente em função dos dados aí armazenados que dizem respeito aos interesses de milhões de usuários territorializados. 
Para nós, educadores, a relação com a rede passa primeiramente pela compreensão de que trata-se de um instrumento tecnológico altamente complexo, que se sustenta em um arquivo sempre crescente, de informação, mas que só chega a constituir conhecimento para o sujeito-aluno, ou para o sujeito-professor, na medida em que se mobiliza memória discursiva para sua interpretação. 


Da AUTORIA

Compreender esse processo e trabalhar com ele nas salas de aula e nos projetos de pesquisa e de extensão (de olhos abertos), entendendo a dimensão política dessa inscrição, significa assumir a autoria nessa discursividade; autoria enquanto função de todo sujeito (ORLANDI, 2001, pg.77), e enquanto efeito do discurso, refletido no sujeito, conforme tenho mostrado no funcionamento do Discurso de Escrita, mas que nessa discursividade aqui analisada, que estou chamando de ESCRITORALIDADE, ganha novos contornos, e adquire tanto características do Discurso da Escrita (DE), quanto do Discurso da Oralidade (DO). Em outras palavras, esse efeito de autoria se dá tanto em razão da legitimidade, publicização, efeito de “fecho”, características próprias do DE, quanto pela simultaneidade, instantaneidade, abertura, provisoriedade, características do DO. Portanto, uma autoria com novos contornos. 
Por essa razão, acredito que o funcionamento dessa discursividade constitui um enorme potencial para a educação, desde que se trabalhe na compreensão dos gestos de interpretação presentes nessas “novas tecnologias da informação” que, como procurei mostrar, apagam a dimensão política do sujeito.  

                       Referências

Gallo, Solange L.   A Educação a distância em uma perspectiva discursiva: análise da nocão de "virtual" e "desterritorialização" em Pierre Levy. Texto apresentado na XIX Enanpoll, GT em AD, Gramado-RS, 2008.

______________ Como o texto se produz: uma perspectiva discursiva. Blumenau: Nova Letra, 2008.

_____________ Da Escrita à Oralidade: um percurso em direção ao autor online. In. Rodrigues, Eduardo Alves; Santos, Gabriel Leopoldino dos; Castello Branco, Luiz Katia Andrade (orgs.). Análise de discurso no Brasil: Pensando o impensado sempre. Uma homenagem a Eni Orlandi. Campinas, Editora RG, 2011

Lévy, Pierre. - Cibercultura. (trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Ed. 34, 1999

Orlandi, Eni. - Discurso e leitura. 6ª ed. São Paulo, Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001

_____________Discurso e Texto. 2a. ed. Campins: Pontes, 2005.

Pêcheux, M. – Ler o arquivo hoje. In. Orlandi (Org.) Gestos de Leitura. Campinas: Ed. Unicamp. 1994.

____________  Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (trad. Eni Orlandi). Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.